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Especialistas defendem mudança na legislação da água mineral



Enquanto o cenário político segue dando provas de que o meio ambiente não é uma prioridade no Congresso, no sul de Minas, população, ONGs, especialistas e integrantes do Ministério Público continuam debatendo alternativas à gestão da água mineral na região.


((o))eco publicou em março uma matéria que mostrou o panorama de protestos que vêm acontecendo desde o final de 2016 nos municípios de Caxambu, Cambuquira e Lambari, por conta da publicação de edital para consulta pela empresa Codemig, que prevê a exploração público-privada do Parque das Águas de Caxambu.


O edital encontra-se suspenso graças a uma recomendação apresentada em maio pelo Ministério Público de Minas e de protestos feitos por ONGs como Ampara e Nova Cambuquira. Em junho, realizou-se um fórum de debate em Caxambu, seguido por duas audiências públicas. A última delas, na Assembléia Legislativa de Belo Horizonte, teve a participação da Codemig e discutiu alternativas à forma de exploração e uma possível gestão compartilhada do Parque das Águas de Caxambu. A proposta está sob análise.


As principais críticas da população têm foco na gestão do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) - órgão do estado ligado ao Ministério de Minas e Energia, por conta da alegada falta de rigidez na cobrança de EIA-Rimas para empreendimentos em curso, da pouca preocupação com o valor cultural e terapêutico das águas minerais e da gestão duvidosa de royalties de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) - assunto que foi alvo de um escândalo de corrupção envolvendo um ex-diretor do órgão, no final de 2016.


Apesar das queixas gerais quanto aos serviços do órgão, o principal (e mais complexo) objetivo das manifestações é para que a água mineral deixe de ser legislada como bem mineral, segundo instituído em 1967 pelo Código de Mineração, o que facilita que esta seja explorada “à exaustão”, conforme feito em minas e aluviões de minérios e metais preciosos e subentendido no Código de Águas Minerais.


A água mineral na PNRH


Para mudar esse quadro de insatisfação e garantir uma gestão mais cuidadosa, a solução legal defendida pelo promotor de justiça Bergson Cardoso Guimarães, da comarca de Lavras, no sul de Minas Gerais, atesta para que a água mineral sofra uma reclassificação votada em Congresso Nacional e seja integrada à gestão de recursos hídricos pelo Ministério do Meio Ambiente, dentro da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), criada em 2007. O objetivo é que o recurso seja gerido pela Agência Nacional de Águas (ANA) sob princípios de uso racional, sustentabilidade ambiental e inclusão social, já contemplados na jurisdição da PNRH, muito mais atual que o antiquado Código de Mineração.


“Apesar de toda a evolução do arcabouço de tutela ambiental e gestão de águas, a água mineral continua sob o enquadramento das leis minerais. E os conflitos são visíveis não só no campo doutrinário. Os casos que envolvem as Estâncias Hidrominerais revelam-se sintomáticos dessa situação desordenada”, diz o promotor.


Já na tese de doutorado de 2016, intitulada “A controvérsia sobre as águas : uma proposta de integração institucional e políticas públicas para o segmento de águas minerais no âmbito da gestão de recursos hídricos”, o Professor Doutor do Centro Universitário do Sul de Minas, Pedro dos Santos Portugal Júnior, destaca como benefício da inclusão das águas minerais na PNRH, a aplicação de ferramentas de políticas públicas para a distribuição mais consciente dos recursos arrecadados pela cobrança por uso da água, a CFEM.


Atualmente esses royalties são repartidos em um percentual de 12% para a União (DNPM e Ibama), 23% para o Estado onde for extraído o bem mineral e 65% para o município produtor. A ideia, segundo o artigo 22 da PNRH, seria reverter os royalties prioritariamente para a bacia hidrográfica em exploração, e fortalecer o papel dos Comitês de Bacia Hidrográfica em processos de tomada de decisão. A proposta também contribuiria para evitar novos crimes de desvio, como o que envolveu o DNPM, o próprio fiscalizador do processo.


Segundo o professor, “os comitês de bacia são os órgãos que permitem a participação social de forma ampla e efetiva. No entanto, tais órgãos precisam ser fortalecidos e a sociedade devidamente envolvida, e nesse caso a educação ambiental tem papel preponderante nesse processo, (...) fato que vemos hoje em dia ocorrer apenas por meio de ONGs que lutam para proteger esses recursos da superexploração e da privatização”.


Ele também descreve na tese que realizou uma pesquisa sobre os parâmetros de gestão adotados em Portugal, Espanha, França, Alemanha, Argentina, Colômbia e Estados Unidos. Desses países, todos, menos Portugal e Espanha, já consideram a água mineral como recurso hídrico e alimento.


Estâncias hidrominerais na SNUC


Uma alternativa bastante interessante ao “gargalo” da água mineral foi descrita em artigo científico publicado em 2008, com o título “ Áreas (des) protegidas do Brasil: as estâncias hidrominerais”. Nele, os pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, José Augusto Drummond e Alessandra Ninis, indicam que as estâncias sejam enquadradas na lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), como uma categoria das unidades de uso sustentável - já que frequentemente possuem um parque de águas com foco turístico e áreas verdes destinadas à proteção dos mananciais.


O artigo enfatiza o caráter multifuncional da exploração hídrica mineral e seus efeitos sobre a identidade das comunidades locais, a geração de empregos, a difusão de tecnologias e a defesa do meio ambiente. A inclusão desses espaços no SNUC, segundo o artigo, resultaria em uma “maior proteção dos mananciais, na adoção de planos de uso e na formação de conselhos gestores”.


O texto pontua também desafios burocráticos da proposta: “Mudanças de leis têm que passar pelo Congresso Nacional e isso pode abrir um flanco para outras modificações, indesejadas pelos conservacionistas. Uma dificuldade institucional potencial para a transformação das estâncias hidrominerais em UCs seria a questão da posse e da propriedade da terra, muito embora as UCs de uso sustentável não exijam, necessariamente, a dominialidade pública integral.”


Congresso Nacional na contramão


Desde 2009 paira sobre o Congresso projetos de lei que visam a reforma do Código de Mineração. O tema da reforma não prevê alteração alguma no tópico da água mineral, mas representa a chance de algum representante inseri-la na ordem do dia, conforme conta o professor Júnior:


“Houve uma proposta de lei de autoria do deputado Carlos Bezerra (MT) que usou minha dissertação como base e pedia a mudança desse enquadramento. Porém, a mesma foi arquivada. Órgãos como Abinam (Associação Brasileira de Indústria de Água Mineral), CNI (Confederação Nacional da Indústria) e o próprio DNPM, com exceção de alguns técnicos, são contra essa mudança e trabalham arduamente para que ela não ocorra, mantendo o atual enquadramento como minério.”


Em março deste ano o Ministério de Minas e Energia anunciou uma saída à discussão do novo código, pois esta vinha gerando atrasos na liberação de licenças ambientais. O ministro Fernando Coelho Filho anunciou que a reforma seria fatiada e uma das frentes seria um pacote de medidas chamado “Programa de Revitalização da Indústria Mineral”.


O pacote prometia aumentar a contribuição do setor na economia brasileira através da maior eficiência quanto às licenças, da transformação do DNPM em uma agência reguladora e do aumento da fiscalização para evitar desastres como o de Mariana - porém não inclui ações a favor da reclassificação hídrica. Desde então não houve mais divulgações oficiais sobre o assunto.


Por outro lado, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, o Diretor de Recursos Hídricos da Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental do MMA, Sérgio Antônio Gonçalves, forneceu depoimento para essa matéria dizendo que a discussão sobre a água mineral deverá tornar-se pauta no ministério no ano que vem: “A partir de 2018 deveremos iniciar os trabalhos para a revisão do Plano Nacional de Recursos Hídricos e, claro, que esse tema deve ser abordado”, afirmou.


A assessoria de comunicação do Ministério de Minas e Energia também foi contatada e afirma que, mesmo possuindo representação na Câmara Técnica de Águas Subterrâneas por meio do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e tendo assento no Conselho Nacional de Recursos Hídricos por meio de sua Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, não possui perspectiva alguma de discussão interna sobre o assunto.


“No âmbito deste Ministério de Minas e Energia (MME) não houve discussões a respeito de mudanças na legislação que trata de águas minerais. Quanto à transferência de responsabilidades relativas a águas minerais que estão sob a competência do MME e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), tal tema não foi objeto de discussão, visto que não se vislumbra modificar a sistemática já estabelecida e consolidada. Permanecem vigentes, portanto, as determinações do Código de Água Minerais (Decreto-Lei n° 7.841/1945) e legislações correlatas.”


Em resposta sobre o aumento dos conflitos que vem acontecendo no sul de Minas, a assessoria alegou que o DNPM apenas cumpre a legislação e não entrou em detalhes sobre a recomendação que paralisou o edital da Codemig:


“Importante salientar que compete ao MME a outorga de concessão de lavra para fins de explotação de águas minerais, cabendo ao DNPM fiscalizar se as atividades ocorrem em conformidade com o que determina a legislação. Nesse sentido, não cabe a este Ministério intervir em eventuais parcerias firmadas pelos concessionários. Em relação à explotação de águas minerais na região citada, o DNPM realiza vistorias periódicas nessas localidades, não tendo sido verificadas irregularidades ou explotação excessiva. Ademais, relatórios de fiscalização são enviados regularmente ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União. As águas minerais são patrimônio da União e, como tal, o Poder Público tem atuado ativamente no sentido de evitar ou coibir práticas indesejáveis.”




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