Massacre do Baile Funk revolta Paraisópolis
Centenas protestaram ontem contra ação policial que provocou 9 mortes, por pisoteamento. Relatos e vídeos revelam: PM montou operação prolongada contra população. Registro da ocorrência nega versão da corporação
Moradores de Paraisópolis protestaram neste domingo (1º/12) contra morte de jovens no Baile da 17 | Foto: Daniel Arroyo/Ponte
Jovens que estavam na favela de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, neste domingo (1º /12), contam que policiais militares invadiram o Baile da 17, um dos mais famosos bailes funks de São Paulo, por volta das 2h30, e teriam passado as horas seguintes encurralando os jovens nos becos e vielas da comunidade com bombas e balas de borracha, fazendo com que nove jovens morressem pisoteados. Vídeos gravados por moradores parecem comprovar a versão dos sobreviventes.
O porta-voz da Polícia Militar do Estado de São Paulo, tenente-coronel Emerson Massera, tentou dar uma outra versão para as mortes durante uma coletiva de imprensa realizada no mesmo domingo, mas a versão de Massera contradisse duas vezes um documento oficial sobre a ocorrência. Na sua fala, o tenente-coronel ainda defendeu o uso de balas de borracha para dispersão de grupos, contrariando as regras da própria corporação.
Na ação da PM, morreram uma moça, Luara Victoria de Oliveira, 18 anos, e oito rapazes: Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos, Bruno Gabriel dos Santos, 22, Eduardo Silva, 21, Denys Henrique Quirino da Silva, 16, Mateus dos Santos Costa, 23, Gabriel Rogério de Moraes, de aproximadamente 20 anos, e dois não identificados, com idades aproximadas de 18 e 28 anos, segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública).Segundo a versão do porta-voz da PM, apresentada na coletiva de imprensa, por volta das 5h um grupo de policiais da Rocam (Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas) resolveram abordar na avenida Hebe Camargo uma motocicleta, por ser semelhante a uma moto que teria sido usada num ataque contra policiais de trânsito dois dias antes. Os dois ocupantes, então, teriam atirado contra os PMs e, ao serem perseguidos, entrado no Baile da 17.
Moradores de Paraisópolis protestaram neste domingo (1º/12) contra morte de jovens no Baile da 17 | Foto: Daniel Arroyo/Ponte
“No momento em que os policiais chegaram próximo ao pancadão, as pessoas foram em direção aos policiais arremessando pedras e garrafas, e aí a atuação da polícia acabou sendo uma atuação de proteção aos policiais”, disse o porta-voz. A versão do tenente-coronel Massera, contudo, não bate com a que foi apresentada em um dos primeiros documentos oficiais sobre as mortes, um “breve relato” do Cepol (Centro de Comunicações e Operações da Polícia Civil) assinado pelo delegado Gilberto Geraldi. O documento não faz qualquer menção ao arremesso de “pedras e garrafas” contra os policiais nas motocicletas.
O documento do Cepol afirma, ainda, que as viaturas da PM “realizavam uma operação ‘pancadão’ ao entorno da comunidade de Paraisópolis, no sentido de proibir entrada de pessoas para o baile”. Na coletiva de imprensa, o porta-voz da PM negou que houvesse qualquer operação policial para conter o Baile da 17. “A atuação da Polícia Militar não foi em relação ao pancadão. Nós temos já como consenso que a atuação das polícias nesses casos tem que ser uma atuação preventiva, de buscar ocupar antes, e esse baile já estava instalado, com 5 mil pessoas”, disse. E acrescentou: “Os fatos só se deram em razão da agressão que policiais sofreram fora do pancadão.”
Segundo o porta-voz, depois que os PMs foram recebidos com “pedras e garrafas” em Paraisópolis, pediram a ajuda dos colegas – no total, 38 policiais e 14 viaturas teriam participado da ação – e reagiram disparando quatro bombas, duas de efeito moral e duas de gás lacrimogêneo, e “oito ou nove” balas de borracha, “tudo isso para dispersar as pessoas que estavam ali naquele local colocando em risco a vida dos policiais e também dos frequentadores do pancadão”.
Mesmo dizendo que o comportamento dos PMs ainda está sendo alvo de inquérito policial-militar, o tenente-coronel defendeu a ação da polícia mesmo antes da conclusão das investigações. “Diante do cenário que foi apontado, a utilização da munição de elastômero [bala de borracha] é razoável”, afirmou. Uma afirmação que vai contra as próprias normas da Polícia Militar. O Procedimento Operacional Padrão (POP) 5.12, um documento secreto sobre o uso das balas de borracha, revelado pela Ponte em 2014, afirma que é errado “utilizar a munição de elastômero para dispersar a manifestação ou movimentação de massa”, já que esse tipo de armamento só deveria ser empregado contra um “agressor ativo, certo e específico”, não contra multidões.
A Ponte entrou em contato com as assessorias de imprensa da Secretaria da Segurança Pública e da Polícia Militar da gestão do governador João Doria (PSDB), perguntando sobre as contradições das falas do porta-voz da PM, e aguarda uma resposta.
Vídeos obtidos pela reportagem mostram policiais militares no meio de uma das ruas da favela agredindo indiscriminadamente as pessoas que tentavam deixar o Baile da 17. Dos vídeos a que a reportagem teve acesso, nenhum registra ataques contra os policiais.