Ferruge lutava por transporte público na represa e queria ampliar ecoturismo
Adolfo Duarte foi sepultado no fim de semana e deixou legado sobre a importância da natureza na cidade de São Paulo
Por Aline Almeida - Agência Mural
Adolfo Duarte, 41, o Ferruge, queria integrar a cultura da navegação a quem vive em volta do imenso manancial da represa Billings, na zona sul de São Paulo. Ele sempre esteve envolvido em explicar a importância de preservar e explorar de maneira positiva o reservatório – fazer dali um polo de ecoturismo.
Entre as bandeiras que defendia sobre a região, estava a construção de uma linha de transporte público náutico, facilitando o deslocamento dos moradores para o centro e outros lugares da cidade. A proposta se tornou uma meta da atual gestão da prefeitura, um projeto que vai ligar o Grajaú a Santo Amaro em um trajeto de 15 minutos.
A luta pela represa foi um dos legados do ativista ambiental, DJ e historiador que morreu na última semana. Ele desapareceu no dia 1º após realizar um passeio de barco no projeto Meninos da Billings, do qual era idealizador, e foi encontrado no sábado (6). O corpo dele foi sepultado no domingo (8), em Parelheiros.
“Ele era apaixonado por tudo isso aqui, ele amava as águas”, comenta o marinheiro Adriano dos Santos, 45, que ajudou nas buscas.
Santos foi quem ensinou Ferruge a pilotar a chalana onde ele realizava os passeios turísticos. Conta que sempre saiam juntos para navegar, ao ponto de tornar-se um profissional e capitão do próprio barco. O ativista era habilitado pela Marinha e também instrutor de pilotagem.
Nascido em São Paulo e vivendo sempre no Grajaú, Ferruge foi gestor de parques municipais da região, entre eles o parque Prainha e o Linear Cantinho do Céu, ambos no distrito.
Desde 2014, passou a enfatizar a força do turismo na região. “A gente fomenta o turismo de base comunitária, no qual as pessoas conhecem o território e quem o criou”, disse Ferruge, em entrevista à Agência Mural em maio.
A reportagem tratava justamente do Meninos da Billings. O projeto, criado em 2014, oferecia passeios de barco para moradores e turistas a fim de conhecer a história da represa e seus arredores. A iniciativa também promovia conscientização ambiental, como mutirões de limpeza das margens da represa. Garrafas pets eram transformadas em lixeiras e colocadas em pontos do parque e às margens.
O projeto despertou a atenção de outras partes do Brasil. “Recebemos convites para representar o Meninos da Billings fora de São Paulo, então já fomos para o Rio de Janeiro e Nordeste”, contava.
A atuação no reservatório começou quando perdeu o filho de 9 anos por um câncer. Enfrentando a dor da perda, resolveu pegar um caiaque e passear às margens da represa.
O contato com a água, que se tornou uma terapia, despertou nele a ideia de passar essa experiência para as crianças da comunidade. Foi quando abriu a Associação Meninos da Billings.
Durante esses anos, passou a ser conhecido como a pessoa que incentivava todos a olharem para a represa como algo a ser explorado como lazer, economia local e consciência ambiental e histórica.
Formado em história pela universidade Estácio UniRadial, o trabalho de conclusão de curso foi sobre a ocupação populacional do território localizado em áreas de mananciais. Ele trabalhou como professor em escolas públicas, entre elas o CEU (Centro de Educação Unificado) Navegantes, no Cantinho do Céu, onde foi coordenador.
Cássio da Silva, 60, foi presidente do conselho de gestores na época em que Ferruge trabalhou no CEU, onde se conheceram. “Todos os dias quando saio para minha caminhada à margem da represa e vejo um papel de bala no chão eu pego e jogo na lixeira que ele fez com garrafas pets”, diz.
Como DJ, o ativista trouxe para o Grajaú o projeto “Café com Bolachas”, idealizado pelo Sesc Interlagos, que tem como objetivo a valorização da música brasileira. Os apreciadores escolhem músicas para tocar na vitrola enquanto tomam um cafezinho acompanhado de bolachas.
Já em 2018, juntamente com vários coletivos locais, atuou na criação da UniGraja (Universidade Livre Grajaú), que defendia a ideologia de não ficar apenas limitados a sala de aula, inclusive muitas aulas aconteceram ao ar livre às margens da Billings.
erruge recebeu várias homenagens de coletivos culturais da região, moradores e autoridades políticas. “Por meio dos Meninos da Billings, a preservação ambiental na zona sul de São Paulo ganhou múltiplas dimensões, ensinando crianças que uma nova realidade é possível”, postou o prefeito Ricardo Nunes (MDB).
O Imargem, coletivo em função da arte, meio ambiente e convivência das margens à centralidade, também deixou sua homenagem ao ativista ambiental. “Ainda não temos condições emocionais de escrever tudo o que ele representou e sobre seu enorme legado. Bons ventos na sua passagem capitão”, destacou.
Ferruge deixa esposa e uma filha de 15 anos.
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