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Aqui se planta, se colhe e se come: a vida de quem produz a própria comida nas periferias de SP




Assim como em outros temas abordados nos episódios anteriores do podcast, como o racismo ambiental e a conta de luz, a alimentação também se relaciona com a questão climática.

Basta lembrar as principais causas de desmatamento nas florestas brasileiras: a ampliação de hectares para a monocultura de soja ou pasto, e a criação de gado bovino. A primeira prejudica o solo, além de recorrer ao uso dos já citados agrotóxicos, enquanto a segunda despeja poluentes (gás metano) na atmosfera. E ambos exigem um consumo absurdo de água.


Tudo isso para valorizar o mercado importador, enquanto a população vê o aumento de brasileiros em situação de insegurança alimentar. Os mais afetados, entre os 33 milhões que estão tendo dificuldades para comer, são os moradores de periferias.


Neste quarto episódio do podcast, além de abordar a questão alimentar, conversamos com moradoras de regiões periféricas de São Paulo que estão se aproximando da terceira idade, para entender como é a relação delas com o meio ambiente e como elas observam os problemas com o clima.



Direto da horta

A dona de casa Iara Oliveira, 57, frequenta uma horta comunitária no bairro Nova América, região de Parelheiros, no extremo sul da capital. “Tem muita couve, taioba e várias hortaliças que a gente mesmo come. Vou duas vezes por semana para ajudar a cuidar e participar das coisas que têm na comunidade”, conta.


A moradora também relata que tem um arsenal de receitas para as hortaliças que colhe. “Faço muita vitamina, refogado com a couve, torta de legumes, saladas, uma delícia de suco de couve com limão. Quase não como carne.”



Dona Iara Oliveira e a jovem Ana Paula Pereira apresentam a horta comunitária @Léu Britto/Agência Mural


Para Débora Martins, professora do departamento de nutrição social da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a valorização dos alimentos ultraprocessados é resultado não somente de um incentivo tributário, mas da própria evolução da dinâmica das cidades.


“Até os anos 1950 e 1960, houve uma crise mundial da produção de alimentos, não se tinha alimentos disponíveis para toda a população. Hoje temos disponibilidade mundial, mas o acesso está complicado quando se trata da qualidade dos produtos. A própria vida se urbanizou de tal maneira que as pessoas se distanciaram dos sistemas de produção”, explica ela, que faz parte de um núcleo que estuda alimentação, nutrição e envelhecimento.


De acordo com a especialista, esse favorecimento ao alimento industrializado somado à urbanicidade, que privilegia uma alimentação mais rápida, é responsável pelo surgimento dos “desertos alimentares”, que são lugares onde a produção e o acesso aos alimentos in natura são escassos.

“Quando falo ‘acesso’, não é só o acesso físico, mas também em termos de custo, de qualidade, de todo um contexto do que vem a ser uma alimentação adequada e saudável” Débora Martins, nutricionista e professora da UERJ

“Pela falta de estrutura organizacional, esses locais acabam não tendo acesso a lojas que vendem hortifruti de qualidade, ou acesso a produtos orgânicos locais”, diz. “Você pode ter um restaurante no bairro, mas provavelmente ele vai vender um produto de qualidade diferente. O custo vai ser diferente também”.


Um dos caminhos para minimizar a questão dos desertos alimentares é a agroecologia, que prevê o investimento em iniciativas como as hortas comunitárias que a Iara frequenta em Parelheiros, ou a agricultura familiar (tipo de agricultura desenvolvida em pequenas propriedades rurais, realizada por grupos de famílias e pequenos agricultores).


“Uma horta talvez não consiga atender toda a demanda de hortifruti, mas pode atender uma estratégia de uso de ervas aromáticas, que vai estimular que as pessoas cozinhem mais e se aproximem mais da culinária. Frutas, verduras e legumes ficam em segundo plano por uma questão de custo, mas também por uma cultura alimentar em que não estão habituados”, afirma a nutricionista.


E a população idosa tem um papel importante nesse processo, segundo Débora: “os mais velhos são detentores da história viva da cultura alimentar. Aquele prato tradicional traz outros valores, são aspectos que a gente pode e deve se apropriar desse público mais experiente”.


Busca por uma alimentação saudável


A questão do ato de cozinhar, não só como estimuladora da alimentação saudável, mas também como valorização da nossa culinária, é uma das bases do “Guia Alimentar para a População Brasileira”, publicado em 2006 pelo Ministério da Saúde.


Com o retorno do Consea (Conselho Nacional da Segurança Alimentar e Nutricional), que havia sido extinto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), há a esperança de retomar políticas que estavam previstas no guia, como a rotulagem de produtos ultraprocessados, deixando de forma mais explícita sobre os teores de açúcar, gorduras e sódio.


Bolacha de água e sal, requeijão cremoso e nuggets são exemplos de alimentos que fazem parte do nosso dia a dia, seja pelo baixo custo ou pela facilidade em encontrá-los nos supermercados, mas talvez não seja uma boa ideia tê-los na nossa alimentação.

Esses três itens foram citados nas duas edições da cartilha “Tem Veneno Nesse Pacote”, publicada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Além de serem ultraprocessados (o que por si só já não é bom para a saúde), o estudo identificou a presença de resíduos com agrotóxicos.

Entrevistada no terceiro episódio da série Tamo em Crise, parceria da Agência Mural com o Greenpeace, a assessora de projetos do Instituto Pólis Ana Sanches comentou que, mesmo com o déficit nutricional, os alimentos ultraprocessados são os que menos pagam impostos, o que ajuda no acesso da população a esses produtos.

“Como a gente fala de saúde ou de qualquer coisa, sendo que não é dado o direito às pessoas de poderem comer, comprar seus alimentos, ou pior, não poderem produzir ou prepará-los? É uma cadeia completamente interligada que tem que ser pensada de forma articulada e conjunta.”

Horta Comunitária Dona Fátima em Parelheiros, zona sul de São Paulo@Léu Britto/Agência Mural

Assim como em outros temas abordados nos episódios anteriores do podcast, como o racismo ambiental e a conta de luz, a alimentação também se relaciona com a questão climática.

Basta lembrar as principais causas de desmatamento nas florestas brasileiras: a ampliação de hectares para a monocultura de soja ou pasto, e a criação de gado bovino. A primeira prejudica o solo, além de recorrer ao uso dos já citados agrotóxicos, enquanto a segunda despeja poluentes (gás metano) na atmosfera. E ambos exigem um consumo absurdo de água.


Tudo isso para valorizar o mercado importador, enquanto a população vê o aumento de brasileiros em situação de insegurança alimentar. Os mais afetados, entre os 33 milhões que estão tendo dificuldades para comer, são os moradores de periferias.

Neste quarto episódio do podcast, além de abordar a questão alimentar, conversamos com moradoras de regiões periféricas de São Paulo que estão se aproximando da terceira idade, para entender como é a relação delas com o meio ambiente e como elas observam os problemas com o clima.


Direto da horta

A dona de casa Iara Oliveira, 57, frequenta uma horta comunitária no bairro Nova América, região de Parelheiros, no extremo sul da capital. “Tem muita couve, taioba e várias hortaliças que a gente mesmo come. Vou duas vezes por semana para ajudar a cuidar e participar das coisas que têm na comunidade”, conta.

A moradora também relata que tem um arsenal de receitas para as hortaliças que colhe. “Faço muita vitamina, refogado com a couve, torta de legumes, saladas, uma delícia de suco de couve com limão. Quase não como carne.”


Dona Iara Oliveira e a jovem Ana Paula Pereira apresentam a horta comunitária@Léu Britto/Agência Mural

Para Débora Martins, professora do departamento de nutrição social da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a valorização dos alimentos ultraprocessados é resultado não somente de um incentivo tributário, mas da própria evolução da dinâmica das cidades.


“Até os anos 1950 e 1960, houve uma crise mundial da produção de alimentos, não se tinha alimentos disponíveis para toda a população. Hoje temos disponibilidade mundial, mas o acesso está complicado quando se trata da qualidade dos produtos. A própria vida se urbanizou de tal maneira que as pessoas se distanciaram dos sistemas de produção”, explica ela, que faz parte de um núcleo que estuda alimentação, nutrição e envelhecimento.


De acordo com a especialista, esse favorecimento ao alimento industrializado somado à urbanicidade, que privilegia uma alimentação mais rápida, é responsável pelo surgimento dos “desertos alimentares”, que são lugares onde a produção e o acesso aos alimentos in natura são escassos.


“Quando falo ‘acesso’, não é só o acesso físico, mas também em termos de custo, de qualidade, de todo um contexto do que vem a ser uma alimentação adequada e saudável” Débora Martins, nutricionista e professora da UERJ


“Pela falta de estrutura organizacional, esses locais acabam não tendo acesso a lojas que vendem hortifruti de qualidade, ou acesso a produtos orgânicos locais”, diz. “Você pode ter um restaurante no bairro, mas provavelmente ele vai vender um produto de qualidade diferente. O custo vai ser diferente também”.

Um dos caminhos para minimizar a questão dos desertos alimentares é a agroecologia, que prevê o investimento em iniciativas como as hortas comunitárias que a Iara frequenta em Parelheiros, ou a agricultura familiar (tipo de agricultura desenvolvida em pequenas propriedades rurais, realizada por grupos de famílias e pequenos agricultores).


“Uma horta talvez não consiga atender toda a demanda de hortifruti, mas pode atender uma estratégia de uso de ervas aromáticas, que vai estimular que as pessoas cozinhem mais e se aproximem mais da culinária. Frutas, verduras e legumes ficam em segundo plano por uma questão de custo, mas também por uma cultura alimentar em que não estão habituados”, afirma a nutricionista.

E a população idosa tem um papel importante nesse processo, segundo Débora: “os mais velhos são detentores da história viva da cultura alimentar. Aquele prato tradicional traz outros valores, são aspectos que a gente pode e deve se apropriar desse público mais experiente”.


Busca por uma alimentação saudável


A questão do ato de cozinhar, não só como estimuladora da alimentação saudável, mas também como valorização da nossa culinária, é uma das bases do “Guia Alimentar para a População Brasileira”, publicado em 2006 pelo Ministério da Saúde.


Com o retorno do Consea (Conselho Nacional da Segurança Alimentar e Nutricional), que havia sido extinto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), há a esperança de retomar políticas que estavam previstas no guia, como a rotulagem de produtos ultraprocessados, deixando de forma mais explícita sobre os teores de açúcar, gorduras e sódio.


Iara frequenta a Horta Comunitária Dona Fátima duas vezes por semana@Léu Britto/Agência Mural

“Essa retomada traz um fôlego e um alento para a gente pensar em ter já institucionalizado estratégias para combater [a fome], principalmente entre esse público [das periferias] que está com maior vulnerabilidade”, afirma Débora.


Outro ponto importante da questão da agroecologia está, obviamente, na maior presença de áreas verdes nas regiões periféricas.


“A Terra é viva e a gente precisa pensar nesse sistema de produção porque, da forma como está, a gente não vai conseguir que a vida seja viável no planeta. Consumir conscientemente, de forma adequada e saudável, também é uma questão planetária, no sentido de garantir a vida”, finaliza a nutricionista.

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