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Declaração Final da Cúpula dos Povos

  • Mauro Scarpinatti
  • há 2 dias
  • 8 min de leitura
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Nós, da Cúpula dos Povos, reunidos em Belém do Pará, na Amazônia brasileira, de 12 a 16de novembro de 2025, declaramos aos povos do mundo o que acumulamos em lutas, debates,estudos, intercâmbios de experiências, atividades culturais e depoimentos, ao longo de vários mesesde preparação e nestes dias aqui reunidos.


Nosso processo reuniu mais de 70.000 pessoas que compõem movimentos locais, nacionaise internacionais de povos originários e tradicionais, camponeses/as, indígenas, quilombolas,pescadores/as, extrativistas, marisqueiras, trabalhadores/as da cidade, sindicalistas, população emsituação de rua, quebradeiras de coco babaçu, povos de terreiro, mulheres, comunidadeLGBTQIAPN+, jovens, afrodescendentes, pessoas idosas, dos povos da floresta, do campo, dasperiferias, dos mares, rios, lagos e mangues. Assumimos a tarefa de construir um mundo justo edemocrático, com bem viver para todas e todos. Somos a unidade na diversidade.


O avanço da extrema direita, do fascismo e das guerras ao redor do mundo exacerba a criseclimática e a exploração da natureza e dos povos. Os países do norte global, as corporaçõestransnacionais, e as classes dominantes são os maiores responsáveis por essas crises. Saudamosa resistência e nos solidarizamos com todos os povos que estão sendo cruelmente atacados eameaçados pelas forças do império estadunidense, Israel e seus aliados da Europa. Há mais de 80anos, o povo palestino tem sido vítima de genocídio praticado pelo Estado sionista de Israel, quebombardeou a faixa de Gaza, deslocou pela força milhões de pessoas e matou dezenas de milharesde inocentes, a maioria crianças, mulheres e idosos. Nosso repúdio total ao genocídio praticadocontra a Palestina. Nosso apoio e abraço solidário ao povo que bravamente resiste, e ao movimentode Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS).


Ao mesmo tempo, no mar do Caribe, os Estados Unidos intensificam sua presença imperial.Fazem-no expandindo operações conjuntas, acordos e bases militares, em conluio com a extremadireita, sob o pretexto de combate ao narcotráfico e ao terrorismo, como com a operação recémanunciada “Lança do Sul”. O imperialismo segue ameaçando a soberania dos povos, criminalizandomovimentos sociais e legitimando intervenções que historicamente serviram aos interesses privadosna região. Nos solidarizamos à resistência da Venezuela, Cuba, Haiti, Equador, Panamá, Colômbia,El Salvador, República Democrática do Congo, Moçambique, Nigéria, Sudão, e com os projetos deemancipação dos povos do Sahel, Nepal e de todo o mundo.


Não há vida sem natureza. Não há vida sem a ética e o trabalho de cuidados. Por isso, ofeminismo é parte central do nosso projeto político. Colocamos o trabalho de reprodução da vida nocentro, é isso que nos diferencia radicalmente dos que querem preservar a lógica e a dinâmica deum sistema econômico que prioriza o lucro e a acumulação privada de riquezas.


Nossa visão de mundo está orientada pelo internacionalismo popular, com intercâmbios deconhecimentos e saberes, que constroem laços de solidariedade, lutas e de cooperação entre nossospovos. As verdadeiras soluções são fortalecidas por esta troca de experiências, desenvolvidas emnossos territórios e por muitas mãos. Temos o compromisso de estimular, convocar e fortaleceressas construções. Por isso, saudamos o anúncio da construção do Movimento Internacional deAtingidas e Atingidos por barragens, pelos crimes socioambientais e pela crise climática.


Iniciamos nossa Cúpula dos Povos navegando pelos rios da Amazônia que, com suas águas,nutrem todo o corpo. Como o sangue, sustentam a vida e alimentam um mar de encontros eesperanças. Reconhecemos também a presença dos encantados e de outros seres fundamentaisna cosmovisão dos povos originários e tradicionais, cuja força espiritual orienta caminhos, protegeterritórios e inspira as lutas pela vida, pela memória e por um mundo de bem viver.


Depois de mais de dois anos de construção coletiva e de realizar a Cúpula dos Povos,afirmamos:1. O modo de produção capitalista é a causa principal da crise climática crescente. Osprincipais problemas ambientais do nosso tempo são consequência das relações de produção,circulação e descarte de mercadorias, sob a lógica e domínio do capital financeiro e das grandescorporações capitalistas.


2. As comunidades periféricas são as mais afetadas pelos eventos climáticos extremos e oracismo ambiental. Enfrentam, por um lado, a ausência de políticas de infraestrutura e deadaptação. Por outro, a falta de ações de justiça e reparação, em especial às mulheres, jovens,pessoas empobrecidas e não brancas.


3. As empresas transnacionais, em cumplicidade com governos do norte global, estão nocentro de poder do sistema capitalista, racista e patriarcal, sendo os atores que mais causame mais se beneficiam das múltiplas crises que enfrentamos. As indústrias de mineração, energia,das armas, o agronegócio e as Big Techs são as principais responsáveis pela catástrofe climáticaem que vivemos.


4. Somos contrários a qualquer falsa solução a crise climática que venha a perpetuar práticasprejudiciais, criar riscos imprevisíveis e desviar a atenção das soluções transformadoras ebaseadas na justiça climática e dos povos, em todos os biomas e ecossistemas. Alertamos que oTFFF, sendo um programa financeirizado, não é uma resposta adequada. Todos os projetosfinanceiros devem estar sujeitos a critérios de transparência, acesso democrático, participação ebenefício real para as populações afetadas.


5. É evidente o fracasso do atual modelo de multilateralismo. São cada vez mais recorrentes oscrimes ambientais e os eventos climáticos extremos que ocasionam mortes e destruição. Istodemonstra o fracasso das inúmeras conferências e reuniões mundiais que prometeram resolveresses problemas, mas nunca enfrentaram as suas causas estruturais.


6. A transição energética está sendo implementada sob a lógica capitalista. Apesar daampliação das fontes renováveis, não houve redução nas emissões de gases de efeito estufa. Aexpansão das fontes de produção energética acabou por se configurar também como um novoespaço de acumulação de capital.


7. Finalmente, afirmamos que a privatização, mercantilização e financeirização dos benscomuns e serviços públicos contrariam frontalmente os interesses populares. Nestesmarcos, as leis, instituições de Estado e a imensa maioria dos governos foram capturados,moldados e subordinados à busca do lucro máximo pelo capital financeiro e pelas empresastransnacionais. São necessárias políticas públicas para avançar na recuperação dos Estados eenfrentar as privatizações.


Frente a esses desafios, propomos:

1. O enfrentamento às falsas soluções de mercado. O ar, as florestas, as águas, as terras, osminérios e as fontes de energia não podem permanecer como propriedade privada nem seremapropriados, porque são bens comuns dos povos.


2. Cobramos que haja participação e protagonismo dos povos na construção de soluçõesclimáticas, reconhecendo os saberes ancestrais. A multidiversidade de culturas e decosmovisões, carrega sabedoria e conhecimentos ancestrais que os Estados devem reconhecercomo referências para soluções às múltiplas crises que assolam a humanidade e a Mãe Natureza.


3. Exigimos a demarcação e proteção das terras e territórios indígenas e de outros povos ecomunidades locais, uma vez que são quem garantem a floresta viva. Exigimos dos governos odesmatamento zero, o fim das queimadas criminosas, e políticas de Estado para restauraçãoecológica e recuperação de áreas degradadas e atingidas pela crise climática.


4. Reivindicamos a concretização da reforma agrária popular e o fomento à agroecologia, para garantia da soberania alimentar e combate à concentração fundiária. Os povos produzem alimentos saudáveis, a fim de eliminar a fome no mundo, com base na cooperação e acesso atécnicas e tecnologias de controle popular. Esse é um exemplo de verdadeira solução paracombater a crise climática.


5. Demandamos o combate ao racismo ambiental e a construção de cidades justas e periferias vivas através da implementação de políticas e soluções ambientais. Os programas de moradia, saneamento, acesso e uso da água, tratamento de resíduos sólidos, arborização, e acesso à terrae à regularização fundiária, devem considerar a integração com a natureza. Queremos oinvestimento em políticas de transporte público, coletivo e de qualidade, com tarifas zero. Essassão alternativas reais para o enfrentamento da crise climática nos territórios periféricos no mundotodo, que devem ser implementadas com o devido financiamento para adaptação climática.


6. Defendemos a consulta direta, a participação e gestão popular das políticas climáticas nas cidades, para o enfrentamento às corporações do setor imobiliário que têm avançado namercantilização da vida urbana. A cidade da transição climática e energética deverá ser umacidade sem segregação e que abrace a diversidade. Por fim, condicionar o financiamento climáticoa protocolos que visem a permanência habitacional e, em última instância, a indenização justapara pessoas e comunidades com garantia de terra e moradia, tanto no campo quanto nascidades.


7. Exigimos o fim das guerras e a desmilitarização. Que todos os recursos financeiros destinadosàs guerras e à indústria bélica sejam revertidos para a transformação desse mundo. Que asdespesas militares sejam direcionadas à reparação e recuperação de regiões atingidas pordesastres climáticos. Que sejam tomadas todas as medidas necessárias para impedir epressionar Israel, responsabilizando-o pelo genocídio cometido contra o povo palestino.


8. Exigimos a justa e plena reparação das perdas e danos impostos aos povos pelos projetosde investimento destrutivos, pelas barragens, mineração, extração de combustíveis fósseis edesastres climáticos. Também exigimos que sejam julgados e punidos os culpados pelos crimeseconômicos e socioambientais que afetam milhões de comunidades e famílias em todo o mundo.


9. Os trabalhos de reprodução da vida devem ser visibilizados, valorizados, compreendidos como o que são – trabalho – e compartilhados no conjunto da sociedade e com o Estado.Esses são essenciais para a continuidade da vida humana e não humana no planeta. Isso tambémgarante autonomia das mulheres, que não podem ser responsabilizadas individualmente pelocuidado, mas devem ter suas contribuições consideradas: nosso trabalho sustenta a economia.Queremos um mundo com justiça feminista, autonomia e participação das mulheres.10. Demandamos uma transição justa, soberana e popular, que garanta os direitos de todos ostrabalhadores e trabalhadoras, bem como o direito a condições de trabalho dignas, liberdadesindical, negociação coletiva e proteção social. Consideramos a energia como um bem comume defendemos a superação da pobreza e da dependência energética. Tanto o modelo energético,quanto a própria transição, não podem violar a soberania de nenhum país do mundo.


11. Exigimos o fim da exploração de combustíveis fósseis e apelamos aos governos para quedesenvolvam mecanismos para garantir a não proliferação de combustíveis fósseis, visando umatransição energética justa, popular e inclusiva com soberania, proteção e reparação aos territórios.Em particular na Amazônia e demais regiões sensíveis e essenciais para a vida no planeta.


12. Lutamos pelo financiamento público e taxação das corporações e dos mais ricos. Os custos da degradação ambiental e das perdas impostas às populações devem ser pagos pelos setoresque mais se beneficiam desse modelo. Isso inclui fundos financeiros, bancos e corporações doagronegócio, do hidronegócio, aquicultura e pesca industrial, da energia e da mineração. Essesatores também devem arcar com os investimentos necessários para uma transição justa e voltadaàs necessidades dos povos.


13. Exigimos que o financiamento climático internacional não passe por instituições queaprofundam a desigualdade entre Norte e Sul, como o FMI e o Banco Mundial. Ele deve serestruturado de forma justa, transparente e democrática. Não são os povos e países do Sul globalque devem continuar pagando dívidas às potências dominantes. São esses países e suascorporações que precisam começar a saldar a dívida socioambiental acumulada por séculos depráticas imperialistas, colonialistas e racistas, pela apropriação de bens comuns e pela violênciaimposto a milhões de pessoas mortas e escravizadas.


14. Denunciamos a contínua criminalização dos movimentos, a perseguição, o assassinato e desaparecimento de nossas lideranças que lutam em defesa de seus territórios, bem como aospresos políticos e presos palestinos que lutam por libertação nacional. Reivindicamos a ampliaçãoda proteção de defensores e defensoras de direitos humanos e socioambientais na agendaclimática global, no marco do Acordo de Escazú e outras normativas regionais. Quando umdefensor protege o território e a natureza, ele não protege apenas um indivíduo, mas todo umpovo e beneficia toda a comunidade global.


15. Reivindicamos o fortalecimento de instrumentos internacionais que defendam os direitos dos povos, seus direitos consuetudinários e a integridade dos ecossistemas. Precisamos de um instrumento internacional juridicamente vinculante em matéria de direitos humanos e empresastransnacionais, que seja construído desde a realidade concreta das lutas das comunidadesatingidas pelas violações cometidas, exigindo direitos para os povos e regras para as empresas.Afirmamos ainda que a Declaração dos Direitos Campesinos e de Outras Pessoas que Trabalhamnas Áreas Rurais (UNDROP) deve ser um dos pilares da governança climática. A plenaimplementação dos direitos camponeses devolve o povo aos territórios, contribui diretamente paraa sua alimentação, para o cuidado do solo e o esfriamento do planeta.


Por fim, consideramos que é tempo de unificar nossas forças e enfrentar o inimigo comum.

Se a organização é forte, a luta é forte. Por esta razão, a nossa tarefa política principal é o trabalhode organização dos povos em todos os países e continentes. Vamos enraizar nossointernacionalismo em cada território e fazer de cada território uma trincheira da luta internacional.É tempo de avançar de modo mais organizado, independente e unificado, para aumentar nossaconsciência, força e combatividade. Este é o caminho para resistir e vencer.

“Povos do mundo: Uni-vos”


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